Não devemos tirar da criança o
prazer de descobrir como comer, e até o prazer de brincar com a comida.
A criança come por prazer e para
satisfazer uma necessidade básica: a
fome. Mas algumas olham para o prato de comida sem demonstrar interesse,
como uma obrigação difícil de cumprir,
exigindo da mãe muita inventividade e paciência para fazer com que ela aceite
comer qualquer coisa. Por quê? Porque, em algum
momento do seu desenvolvimento normal, perturbaram a sua satisfação de comer.
Isso pode acontecer de muitos
modos.
Bebês raramente recusam
comida e é sempre evidente o prazer que eles têm mamando. A não ser por doença, bebês têm sempre apetite e comem prazerosamente.
O adulto é que costuma interferir no hábito
que a criança tem de comer e
beber com prazer, criando problemas para a alimentação da criança pequena.
A falta de apetite (anorexia)
ocorre geralmente quando a criança tem entre
1 e 3 anos. As causas mais freqüentes:
Falta de percepção da mãe. A criança com 1 ano tem apetite muito menor
que o bebê. É uma programação genética.
No primeiro ano de vida o bebê triplica de peso. Entre 1 e 2 anos precisa aumentar de peso
apenas 20% (passa de aproximadamente 10
quilos para 12. Há meses em que não aumenta de peso e isso é normal, mas as mães, habituadas com o crescimento do bebê, pensam logo em doença e forçam a
alimentação. É um erro, que pode
provocar reação. E quanto maior for a insistência da mãe, mais a criança se sente agredida e mais vai
reagir, até recusar-se a comer.
Quando essa mesma criança, na
puberdade, precisar comer mais e realmente
passar a fazê-lo, a mãe provavelmente vai criticar.
Quando a preocupação da mãe é muito grande, alguns médicos
chegam a receitar um tônico, um
remédio para aumentar o apetite da criança. É
um erro, porque a receita vai aumentar
na mãe a convicção de que a falta de apetite é uma doença. De mais a mais, muitos dos
estimuladores de apetite são perigosos,
provocam hipoglicemia, sonolência ou agitação. Nenhum livro sério de medicina recomenda esse tipo de remédio, mas eles são muito prescritos e vendidos no Brasil.
Outro problema é que os
resfriados e as gripes são muito comuns nesse
período, e eles fazem diminuir o apetite. Quando a criança
fica curada, depois de três a
sete dias, ela tem fome acima do habitual,
durante alguns dias. É uma compensação, para que ela recupere
rapidamente o que perdeu, e logo ela volta ao apetite habitual.
Também é uma fase em que algumas
crianças movimentam-se pouco,
principalmente as que são extremamente
entregues aos cuidados da televisão. A criança nessa idade deve ter
a oportunidade de viver
ao ar livre, de correr, jogar bola, praticar exercícios físicos. Aí sim
ela tem fome. Mas sedentária, sentada
diante da televisão, não só vai comer menos como vai querer comer aquelas coisas anunciadas na
tevê, geralmente as menos interessantes
como alimentação infantil.
Crianças pequenas, mesmo sem capacidade de fazer os movimentos necessários
para recolher a comida com a
colher e leva-la à boca (o que exige controle fino dos
movimentos), querem comer sozinhas.
Isso deve ser incentivado, mesmo
que elas façam muita sujeira. Alimentar-se
sem a ajuda do adulto significa, em um primeiro momento, deixar que a criança meta a mão no prato,
que se lambuze, que faça sujeira,
e poucos adultos tem paciência para aturar. Eles querem que ela coma o que lhe dão na boca ou que, como em um
passe de mágica, aprenda logo a
segurar a colher direitinho e controle seus
movimentos em direção à boca. Mais
ainda: querem que ela seja
rápida e que não deixe cair comida.
Comer sozinha é uma conquista importante para a
criança, e não só do
ponto de vista do desenvolvimento da sua capacidade manual. Comer pela
própria mão é o começo da autonomia, da independência, da
sua afirmação como pessoa. E é um
prazer. Pois é exatamente esse
prazer que a maioria dos pais
nega a seus filhos.
Se a criança é reprimida, não tem liberdade, e se insistem em dar
comida na sua boca, os pais estão
tirando também o prazer e a aventura de comer. Se, além disso, a obrigam a comer do que não gosta, ela não pode mesmo ter prazer com a refeição e vamos começar
a ter problemas na hora da comida
porque é bem provável que, nesse
caso, se desinteresse pelo prato
e até se recuse a comer, pelo menos na hora
em que a mãe quer que coma.
Quando a criança demonstra
interesse e vontade de comer sozinha, deve ser
incentivada e não ser reprimida. E se
quer comer com as mãos, que coma, porque isso dá a ela muito prazer (como a nós, com determinados
pratos). Podemos, gradativamente,
ir desencorajando a criança de comer com as mãos,
educando-a e fazendo com que ela entenda
que certas coisas podem e até devem ser comidas com o uso das mãos, mas que os talheres foram
criados para não sujarmos as mãos.
Cuidado: não insista muito
no assunto limpeza, porque a preocupação excessiva com a sujeira pode tirar o prazer que a criança tem ao comer.
Como escrevia Rubem Braga, comer
manga com garfo e faca, civilizadamente,
não dá prazer. "Manga come-se com as mãos, e quanto mais lambuzada a boca, maior o prazer".
Uma criança pequena não pode
"comer como gente grande" e a fase da sujeira vai passar,
naturalmente, à medida que ela ganha controle sobre os movimentos e vê como é que a
família se porta à mesa. Se ela quer comer sozinha é que já está
intelectualmente madura para isso. Impedi-la de comer pelos
seus próprios esforços é retardar seu
desenvolvimento. E se você não tem
certeza de que dar de comer na boca pode tirar o prazer da
comida, faça a experiência:
espere estar com fome, escolha um prato de que
goste muito e, na hora de comer,
faça com que suas mãos sejam amarradas e que
alguém lhe dê de comer na boca. Uma grande parte do prazer
de comer estará perdido.
Não devemos tirar da criança o prazer de descobrir como comer, e até
o prazer de brincar com a comida. Quando
vovó dizia que "comida não é brinquedo" não tinha
a informação que temos hoje. A criança que tem mais liberdade, que faz mais sujeira, que brinca
mais, aprende mais cedo a comer direito,
porque praticou mais. E, não sendo reprimida, não perdeu o prazer
de comer, que é um dos
maiores prazeres da vida.
Quando não come, a criança pequena não está apenas recusando o
alimento. A comida, para ela, é
um símbolo e ela não quer a comida porque também
não quer aceitar a tirania, a imposição, a
limitação, e quer de volta o prazer de comer. Se a mãe insiste, a
criança aumenta a resistência e rejeita não só a comida, mas a própria mãe.
As mães, talvez por instinto, sentem isso; daí a angústia que
passam quando a criança não quer comer ou resiste à comida.
O pior acontece quando pais autoritários obrigam a criança a comer, a "engolir tudo", sob ameaça de castigo e até de pancada.
Podem resolver o problema do
momento, mas estão criando outros, maiores. Inclusive porque essa comida não faz bem à criança. Em alguns
casos ela chega à vomitar.
Quando a criança percebe que há
uma crise, quando os pais ficam angustiados e demonstram sua agonia, quando a
hora da comida passa a ser um
drama familiar, a criança dificilmente vence essa fase. Ao
contrário, o problema pode
fixar-se perigosamente, até porque a criança aprende a usar a comida como uma arma, como instrumento
para levar vantagem, criando uma
relação familiar muito ruim. Assim como o adulto não deve chantagear a criança, não deve dar oportunidade
para que ela o chantageie.
Ameaças, castigos, prêmios e promessas, gracinhas e
brincadeiras, tudo serve
para encobrir, para disfarçar o problema, mas não resolve a
situação. O que resolve é dar liberdade à criança e, se a
crise já está instalada, deixar
que a criança resolva por si mesma. Quando a
criança percebe a ansiedade dos adultos em relação à comida,
já não vê o que come como um prazer e
passa a associar comer com dever, uma obrigação capaz de levar os adultos aos papéis
mais ridículos e até a violência
para fazê-la engolir. É evidente que isso só traz prejuízos.
Por outro lado, elogios
exagerados à criança que comeu tudo
podem levá-la a imaginar que só será amada se limpar
o prato
todas as vezes, o que provoca
angústia e talvez faça com que coma demais,
para ser mais amada.
Quando a inapetência ou a voracidade tem origem emocional, a primeira
coisa a fazer é quebrar a tensão
e a angústia que perturbam a criança. Nada de drama, de forçá-la, de castigá-la, de
chantageá-la ou de suborná-la, porque só
vamos agravar o problema, um problema que geralmente não existe
e que os adultos é que
criam para as crianças.
Em raros casos a crise pode chegar a um ponto que impeça a
criança de comer. Aí, só o atendimento especializado de um psiquiatra pode
resolver o problema da criança e dos
pais.
Há mães que resolvem fortalecer
o alimento, influenciadas principalmente pela publicidade. E tome achocolatado no leite, sorvetes com cobertura especial e sucos com
aditivos. Como a criança gosta
dessas coisas e seu apetite não aumentou, pode acabar reduzindo sua alimentação a apenas isso. É
possível que engorde, mas vai
ficar carente de sais minerais, de vitaminas e de outros elementos nutritivos, evidentemente
prejudicada no seu desenvolvimento normal.
Outras cuidam de dar suplementos protéicos e vitaminas, geralmente misturados
ao leite. Ou reforçam o leite de
vaca com leite em pó. O resultado é que, como
defesa do organismo contra o excesso de
proteína, a criança não vai suportar comer carne e isso criará problemas
para ela. Além disso, o excesso
de vitamina pode intoxicar e tirar o apetite.
A
hora de comer deve ser tranqüila, sem dramas ou comédias, sem tensão, bate-boca ou cara feia. Amor,
liberdade, respeito ao paladar e ao prazer de comer, ao direito de aprender
e comer sozinha e de relacionar-se
com a comida, tudo isso ajuda a criança a não ter problema na
hora das refeições.
Se seu filho está dentro do padrão de crescimento esperado para a sua
idade e para a estatura dos pais, não
invente, não se preocupe, deixe a criança comer em paz. A criança que não tem doença, que tem
todos os alimentos à disposição, filha
de pais baixos, é baixa e
come menos porque é assim que
está geneticamente programada. Ela come pouco porque é baixa, e não o contrário. É
diferente da criança pobre, que
come pouco e que pode ficar baixa
por conta da miséria, da falta
de comida e não da programação genética.
No mais, mesmo preocupada porque a criança não come, não aumente
a crise: comer é uma necessidade
básica e o instinto de sobrevivência da criança é tão forte que ela normalmente não corre
perigo e em algum momento vai se
alimentar, assim que estiver livre de pressão ou distante dos pais. Como se dizia antigamente, quem não
come é porque já comeu ou ainda vai
comer.
Denise Donadio Castilho
Fontes:
http://guiadobebe.uol.com.br/comendo-sozinha/
http://grupovirtualdeamamentacao.blogspot.com.br/2013/09/nao-devemos-tirar-da-crianca-o-prazer.html
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